9 de mar. de 2015

O Montanhista e Seu Lada Niva... Entrevista com Divanei de Paula (post 1049)

Pico das Agulhas Negras no Parque Nacional de Itatiaia- RJ/MG
Amante das serras, montanhas, cachoeiras, rios e praias brasileiras, o servidor público, Divanei Goes de Paula, conhecido na infância como “Vanei”, faz parte
de um seleto grupo de montanhistas que transformou as travessias e trilhas das regiões sudeste, centro-oeste e sul do Brasil em quintal.  Há quase duas décadas suas expedições foram a principal fonte motivacional para aventureiros iniciantes dessas regiões.  
Confira a seguir o bate-papo que tivemos com ele que já conheceu sete países, e doze estados brasileiros, e nos mostra que seu espírito de aventura o levou a experiências de offroad da grandeza do seu Lada Niva ano1991, e também nos passou um pouco de sabedoria de vida falando sobre culturas, meio ambiente, montanhismo, rapel, sobrevivência na Selva, trekking, excursionismo e muito mais.


Machu Picchu
Qual o seu nome?
R: Divanei Goes de Paula


O Niveiro tem algum apelido?
R: A mãe da gente coloca um nome feio, aí vem o mundo e esculhamba com um monte de apelidos. Minha família e amigos de infância me chamam de “Vanei”, minha mulher me chama de “Di”, no trabalho me chamam de “Didi”, de “Diva”, na verdade não gosto de nenhum deles.


Qual a sua idade?
R: 45 anos é minha idade cronológica, acho que biológica uns 35 e a mental vou deixar para os meus amigos responderem.


Qual a Naturaridade do Niveiro aventureiro e onde mora?
R: sou natural de Paranapuã-SP, uma minúscula cidade de uns 4.000 habitantes no noroeste Paulista, na divisa com os Estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, bem na foz do Rio Grande. Moro em Sumaré-SP, uma cidade média na região metropolitana de Campinas, já há 35 anos.

Ipeúna, Chapada Guarani-SP
O Expedicionário tem alguma religião?
R: Eu queria ter a espiritualidade que os meus parentes e alguns amigos esperam que tenha, mas infelizmente não tenho. Há muito tempo estou convicto que as religiões só agregam seus pares e acabam sendo uma fonte de segregação. Se eu disser aqui que sou umbandista, provavelmente muita gente nem iria continuar lendo essa entrevista até o final. E além do mais, ainda não me convenci que do outro lado desta vida tem um Paraíso ou um inferno me esperando. Por isso quando monto ou organizo alguma expedição, travessia, caminhada, nunca, jamais pergunto ou me importa que religião tenha o sujeito, que partido político ele defende ou que opção sexual escolheu pra sua vida.


Qual o ano do seu Lada Niva e motorização?
R: Meu Niva é do ano de 1.991, e é bem conservado.  Seu motor é original 1.6, nunca foi mexido.


Seu Niva tem adaptações?
R: Quase nenhuma, praticamente um original. Retrovisor, acho que volante e essas coisinhas pequenas como reservatório de água do para-brisa, reservatório do fluido de freio e os pneus, é claro.


Quando e como você começou a praticar offroad?
R: Na verdade eu já destruía os carros da família nas trilhas para as praias desertas, cachoeiras, montanhas e para chegar às trilhas diversas, aí para passar de vez para o offroad, foi um pulo. Em 2.000 comprei o NIVA.

Analândia e Descalvado

Por que escolheu o Lada Niva para parceiro em suas aventuras?
R: Na verdade há muito tempo eu pensava em comprar um carro offroad, mas meu dinheiro de rapaz trabalhador não dava pra pagar uma “fortuna” nestes esportivos. Sempre ouvia uns “Zé Ruelas” dizer que NIVA não prestava, não tinha peças e essas bobagens, aí fui pesquisar e conversar com outros niveiros, que me convenceram que era uma boa escolha. E aí, em um dia qualquer do ano 2.000, estava eu passando em Nova Veneza, um distrito de Sumaré e avistei um Niva impecável estacionado numa revendedora de carros usados. Entrei, olhei, comprei e foi amor à primeira vista.


Que equipamentos e acessórios fazem parte deste seu Lada Niva?
R: Não muitos. Estribo, bagageiro de teto, engate de carretinha, quebra mato, um GPS, radio e o mais importante de todos os acessórios, meus adesivos de alguns lugares que visitei, no Brasil e em países na América do Sul.

Entre Caiapônia-GO, Paraúna-GO e Costa Rica-MS
Você utiliza seu Niva em seu dia-a-dia ou possui outro veículo?
R: Tenho um carro popular que é usado pela minha esposa e o NIVA fica mesmo para o que mais importa na vida, o ócio, o lazer e a aventura.


Qual o nome do seu Niva?
R: Muito legal esse negócio de nome, batismo, me divirto muito com os nomes que os caras colocam, mas o meu ainda não tem, preciso escolher um.

Chapada dos Veadeiros-GO
Possui seu Niva há quanto tempo e o que ele representa para você e sua família?
R: Já estou com o meu há 15 anos. Minha mulher às vezes reclama e diz que deveríamos comprar um 4x4 mais rápido e mais econômico, mas na hora que estamos no meio do nada e aparece aquele atoleiro ou aquele rio no meio do caminho, ela fica feliz por não estarmos com o carro de passeio dela. Na verdade o Niva nos tira da mediocridade das cidades e nos levas para infinitos lugares de aventuras e deslumbramentos.


O que mais curte e o que menos curti no seu Niva?
R: Adoro o formato e cara de fora de estrada, adoro o fato de poder ir aonde poucos conseguem chegar e apesar de ser um fora de estrada é muito confortável. Não gosto do alto consumo de combustível e gostaria que ele fosse um pouco mais rápido no asfalto.

Parque Estadual de Terra Ronca
Você faria alguma melhoraria no seu Niva?
R: Já pensei em instalar gás natural, mas desisti. Gostaria de colocar uma ignição eletrônica, talvez um guincho, acho que tá bom como está, só preciso me dedicar mais nas manutenções preventivas.

...de carona de trem pela Serra do Mar...
Você participou de alguma trilha offroad com seu Niva, qual a que mais curtiu?
R: Na verdade por causa desse amor aos esportes de natureza, montanhismo, trekking, excursionismo, viagens a paraísos naturais, acabo usando mais o Niva em função disso. Então as grandes trilhas tem sempre um grande objetivo, que é chegar a cachoeiras perdidas, rios isolados, montanhas de acesso difícil, etc... Posso citar caminhos para Serra da Canastra, Ilha Bela, Parque Nacional das Emas, e inúmeras cachoeiras do litoral Paulista.

Parque Nacional das Emas
Você participa de algum clube offroad?
R: Somente grupos virtuais mesmo, até que gostaria, mas em função de morar aqui no interior de São Paulo, quase fico sem opção e além do mais, nos últimos anos estou meio preso as expedições, que acaba por tomar todo o meu tempo.

Chapada dos Guaranís
Qual foi a maior distância percorrida com seu Niva?
R: A maior distância foi em 2014 quando botei o saco de dormir, a barraca, comida e uma infinidade de outras coisas e saí pelo centro-oeste do país com minha filha e minha mulher, voltando somente um mês depois. Rodamos quase 6.000 km ao todo, numa viagem alucinante e inesquecível.


Seu Niva já te ensinou algo de mecânica?
R: Quem tem um Niva sempre tem algo à aprender. Tudo que eu sei devo ao russsinho.


Você acredita que o Niva retornará ao Brasil? Você compraria um zero Km?
R: Acho difícil o Niva voltar e se voltar deve vir com uma carga de impostos gigantescas, que o inviabilizaria por causa do alto preço. Veja só, por mais que a gente goste do carrinho, não podemos nos enganar, poucos estariam dispostos a pagar 50 ou 60 mil nele. Se ele custasse o mesmo que um carro popular, compraria sem problemas, porque sei que esse viria com uma tecnologia bem desenvolvida.


Quando o Niveiro se iniciou no montanhismo?
R: Sou de uma geração que desde cedo já foi acostumada a caminhar e a fazer esportes. Tudo era longe e sem recursos, sem transportes. Enfiávamo-nos no mato, nadávamos em lagoas, subíamos em árvores, descobríamos novos rios e o seguíamos por um dia inteiro só pra ver onde ele iria dar. Aí quando a gente cresceu, e tudo de natureza que havia ao nosso redor desapareceu, ficamos órfãos de aventuras. Certo dia um amigo me convidou para visitar uma cachoeira na Serra do Mar. Pegamos nossas mochilas velhas, uns cobertores, umas redes, um plástico preto e picamos a mula pra lá. Foi nesse dia que me apaixonei e me perdi na vida de aventuras, de lá para o montanhismo também foi um pulo.


O que motivou a fazer a primeira travessia?
R: Primeiro preciso explicar o que realmente é fazer uma Travessia. No começo, quando começamos a nos enfiar nesse mundo de aventuras, fazemos trilhas curtas que nos levam a cachoeiras, a rios cristalinos, a lugares mais distantes no meio das florestas. Tudo acontece aos poucos e em um processo lento que acaba levando anos. Aí quando nos sentimos mais seguros, já começamos a ir para esses mesmo lugares, só que agora para passar a noite lá, com rede, com barraca. Às vezes fazemos o que chamamos de bate e volta, saímos bem cedo, vamos a um lugar, uma cachoeira, uma pequena montanha e voltamos no mesmo dia, geralmente pela mesma trilha. Passeios lindos, mas com poucos desafios. Somente depois quando já estamos seguros e já aprendemos os rudimentos básicos das caminhadas, partimos para as Travessias. Uma travessia é basicamente sair de um ponto qualquer, atravessar uma área selvagem, um caminho no meio da natureza, cruzando montanhas, e todo tipo de terreno, com o objetivo de chegar a outro ponto, de preferência mais perto da civilização, onde a gente possa conseguir um transporte que nos leve de volta para casa. Mas respondendo à pergunta, o que me motivou a começar a fazer essas travessias foi a curiosidade de saber o que continha entre uma montanha e outra. Eu subia uma montanha geralmente perto da civilização e avistava uma cadeia gigantesca de outras montanhas e grandes vales e lá de cima me perguntava o que teria naquele mundo selvagem. Aí um dia tomei coragem, botei a mochila nas costas e nunca mais parei.


Qual foi a maior frustação em uma expedição?
R: Olha, todo montanhista, excursionista, amante das caminhadas e das grandes expedições coleciona frustrações e fracassos na vida e comigo não foi diferente. Apesar de ser meio parecido com um “chassis de frango”, sou um cara duro de desistir das coisas, para eu desistir, a coisa já chegou num tal ponto em que a aventura já se tornou mesmo impossível. Na maioria das vezes a gente não está sozinho, existem outras pessoas que talvez não tenha o mesmo preparo físico ou a mesma gana de seguir em frente, mesmo diante de situações que ainda estão sob controle. E por muitas vezes tive que dar meia volta, enfiar o rabinho entre as pernas e voltar para casa e digerir o fracasso. Faz parte. Uma vez estávamos tentando acessar o centro do Parque Nacional de Itatiaia por uma trilha praticamente desconhecida. Caminhamos por duas horas e meu parceiro de aventura, que na época estava muito acima do peso, começou a ter câimbras até na língua e pra piorar mais à frente a trilha se fechou num emaranhado de taquaruçus, e nos vimos meio perdidos. Era uma época com poucos recursos, sem internet como hoje, sem mapas de satélites, sem nada. Então resolvi meter a cara e varar mato no rumo até atingirmos a montanha mais acima, quando começou a chover. Meu amigo não teve duvidas, abortou a travessia e pediu para voltarmos imediatamente. Não pude fazer mais nada, guardei minha bússola e fiquei muito puto com ele, mas não disse nada até hoje. A amizade continuou tão forte como sempre foi, mas aquela foi a ultima travessia que fizemos juntos.


Quais foram suas maiores dificuldades encontrada durante uma travessia?
R: Dificuldades sempre encontramos, hoje um pouco menos por causa das tecnologias e os bons mapas, mas antigamente tudo era feito na raça. Nos lugares distantes, nem acesso as cartas topográficas tínhamos. Ficávamos sabendo onde era o começo das travessias, líamos três parágrafos que descreviam as caminhadas e metíamos a cara. Mas uma coisa que dificulta muito é uma virada de tempo repentina, onde pequenos riachos se transformam e rios caudalosos, como em 1.996. Estávamos atravessando a Casa de Pedra no PETAR (Parque Turístico do Alto Ribeira), que é a caverna com a maior boca do mundo e ficamos preso por causa de uma cabeça d’água, eu, minha mulher e mais dois amigos quase morremos naquele dia, isso foi logo no começo das nossas vidas de aventuras. Foi um trauma que perdurou por muito tempo na cabeça de alguns.


Quais foram suas maiores conquistas?
R: Sinceramente, não tenho nenhuma grande conquista para relatar. Nunca subi o Everest, nunca subi o Aconcágua. Não sou o Amir Klinc, não sou o Niclevics. Minha maior conquista foi a de conseguir sair de uma vida muito pobre na infância e poder um dia me sentar em lugares como Macchu Pichu, Deserto do Atacama, Salar de Uyuni, Lago Titicaca, Patagonia, e tantos outros lugares incríveis da América do Sul e do Brasil. Sentar-me e olhar aquelas maravilhas e poder dizer: “Caramba cara! Olha isso, olha que beleza, olha que espetáculo, veja onde a força do seu trabalho e a coragem de abandonar e se jogar sozinho num mundo que você só viu nos livros de história, veio lhe trazer”. Já percorri boa parte das travessias clássicas de boa parte do Brasil, já subi montanhas e vulcões nevados de quase 6.000 metros de altura nos cafundós da América do Sul, mas se tivesse que citar alguma coisa de conquista, citaria as últimas expedições pela Serra do Mar Paulista que estamos realizando. Estamos indo a lugares que ninguém nunca nos disse como chegar, como atravessar gargantas gigantescas e cânions descomunais, lugares que possivelmente recebeu menos gente que o solo lunar. Desenvolvemos técnicas de descidas sem usar corda alguma e estamos fazendo coisas que muita gente com muito mais experiência que nós, nunca tentou.


O que você almeja para o futuro?
R: Pra falar a verdade o futuro para mim já chegou. Tenho 45 anos de idade e não fico mais pensando em conquistas materiais e ou profissionais. Espero somente que minha filha se encaminhe bem na vida. Agora deixo as coisas irem acontecendo naturalmente na minha vida. Espero poder me manter sempre ativo nesses anos de vida que me restam, às vezes brinco e falo que vou me aposentar das aventuras, mas quando vejo meninos com a metade da minha idade se arrastando atrás de mim, consigo ver que ainda vou muito longe. Ainda tenho uma grande vontade de fazer uma grande viagem de NIVA por todos os países da América do Sul por uns três meses. Bom, o NIVA eu já tenho, os três meses de licença premio também, mas falta o mais difícil, conseguir convencer minha mulher e minha filha a embarcar nessa aventura por um mundo de aventura e autoconhecimento.


Em todas suas viagens pelo mundo, o que mais marcou?
R: Claro que só poderia ser as grandes paisagens e alguns amigos que acabei fazendo por lá. Para um brasileiro as paisagens, principalmente na Cordilheira dos Andes é algo arrebatador. Sentar-se em uma grande pedra e apreciar a vista de Macchu Pichu, ou os Geiseres de El Tátio, no Atacama, a vista de cima do Sajama, a maior montanha da Bolívia, os salares, as geleiras, os lagos altiplânicos, as cidades do império Inca, as lhamas, as vicunhas, as alpacas, tudo é um mundo de encanto e de sonhos.


O que mais lhe chama a atenção quando se fala em diferenças culturais nos diversos países que conheceu?
R: Sim, os países são muito diferentes. Quando você sai da Bolívia ou da Argentina e vai para o Chile, parece que lá se fala outra língua e não o Espanhol. Demora pra você se acostumar com sonoridade. Falando em Chile, me surpreende a educação deste povo, comparado ao Chile, o Brasil é um país esculhanbado, lá tudo parece funcionar, dá inveja de ver. Mas nada, nada mesmo se compara em diferenças culturais quando se fala da Bolívia. Muita gente odeia a Bolívia, mas em nenhum outro lugar na América do Sul você verá tamanha diferença. As pessoas, as roupas, as comidas, o transporte. Você senta em uma Praça de La Paz e se imagina em outro planeta. Eu amo a Bolívia, talvez seja porque eu seja apaixonado por coisas diferentes e culturas exóticas. O Peru também está na mesma categoria da Bolívia, principalmente quando se trata de cidades na cordilheira. Nestes dois países, ser muito gorda é sinal de extrema beleza, o que quebra o paradigma e a ditadura da beleza magra.


Quais os principais cursos que fez para se profissionalizar em expedicionário?
R: Nunca fiz curso algum, tudo que aprendi foi pesquisando muito e me lascando na natureza e aprendendo do modo mais duro possível. Na época que começamos íamos para o mato e quando uma coisa dava errada, aprendíamos e não voltávamos a repetir a mesma burrada de antes. Hoje temos a internet e todo mundo aprende rápido as técnicas de caminhada e excursionismo. Com o avanço das redes sociais, quem não sabe nada pode se juntar aos que sabem e sair sem medo, hoje as coisas estão muito mais fáceis. Você compra um GPS por uma mixaria, coloca a trilha nele e já sai caminhando. Você vai à net imprime um monte de relatos excelentes, imprime um milhão de mapas, compra equipamentos de primeira linha e vai se divertir. Eu aprendi a fazer rapel com umas cordas toscas e cadeirinhas costuradas a partir de cinto de segurança velho. Mas os cursos estão aí espalhados por tudo quanto é canto e eu aconselho a fazerem se puderem, conhecimento nunca é de mais.


O que mais lhe atrai a praticar montanhismo?
R: Quando fecho a porta atrás de mim, não sou mais eu. Sou outrem travestido de mim mesmo. O pai de família, o filho, o empregado certinho, se transforma em outra pessoa. Alguém que não está nem aí pra coisa nenhuma. Boto minha mochila nas costas, pego meu bastão de caminhada e viro cidadão do mundo. Isso é que é o legal, a gente se transforma e perdemos todos os rótulos que a sociedade nos deu, sem que pedíssemos. Nas montanhas o pião de obra e o gerente de empresa são a mesma coisa. Não importa se você tem dinheiro a dar com pau, se quiser comer vai ter que descer aquele barranco e lavar a louça do grupo, vai ter que dar seu ombro para aquele macumbeiro pisar, vai ter que pegar na mão daquele ateu, vai ter que dividir a sua barraca com o judeu ou sua comida com o homossexual e isso não vai fazer diferença nenhuma, porque ali vocês são um grupo, são companheiros de aventuras e todos dependem de todos. No fim todos vão se abraçar e vão descobrir que todas essas diferenças são uma tremenda de uma bobagem. 



Você projeta atravessar um deserto?
R: Quando se fala em Desertos já vem à mente das pessoas um lugar seco, quente, cheio de dunas de areia e quase sem vida. Quando você vai ao Atacama, tudo isso cair por terra. Gostaria muito de atravessa-lo de um lado à outro, de NIVA, a pé, montado numa lhama, sei lá, de qualquer jeito.


De todos os lugares que visitou, qual foi o mais bonito?
R: Cara, aí você pegou pesado. É o mesmo de você pedir para eu escolher qual filho eu quero sacrificar. São lugares diferentes. O litoral Norte de São Paulo e Sul do Rio pra mim é um dos mais bonitos do mundo por conter uma das florestas mais exuberantes do planeta. A Chapada Diamantina na Bahia é a síntese da beleza deste país, tem de tudo, só faltou mar, mas aí já é covardia. As cavernas de Terra Ronca em Goiás e as do PETAR em São Paulo são deslumbrantes. Os cânions do Sul, as Cataratas do Iguaçu, o Pantanal, e se eu for citar as montanhas da Mantiqueira, vai faltar espaço aqui. Todas as paisagens da cordilheira dos Andes com seus vulcões, geleiras, desertos, salares, lagos, gêiseres, tudo é fascinante e deslumbrante, por isso essa pergunta vai ficar sem resposta.


Qual foi a subida mais difícil até hoje e por quê?
R: Como eu disse, não sou especialista em alta montanha, montanhas geladas e em grandes altitudes, e ar rarefeito, tudo depende de uma série de fatores, principalmente do clima.  Atravessar uma Serra Fina debaixo de chuva no inverno não é pra qualquer um não, mas com sol já se torna uma caminhada não tão difícil assim. Tudo vai depender do tempo que você tem para fazer uma subida e as situações que envolvem essa subida. Não sou escalador, nunca fui. Minha paixão é a subida clássica. Acabei de voltar do Chile onde subi com minha filha de 14 anos o vulcão Villarica. Um vulcão ativo e entupido de neve, mesmo no verão. É uma montanha não muito difícil de subir, mas com um desnível de 1.400 metros pra subir e descer no mesmo dia, o que não é pouco para uma montanha com gelo. Além de carregar a minha mochila e a dela, ainda tive que conviver com a pressão psicológica de um guia obrigatório, que a todo o momento queria nos excluir da expedição se não nos mantivéssemos junto ao grupo principal. Aí em certa altura minha filha começou a ter dores horríveis e eu ficava sempre com aquele sentimento terrível de ter que desistir por causa dela. Eu sempre ia dizendo pra ela não desistir, aguentar um pouco mais. No fim, chegamos ao cume, mas foi sem duvida a situação mais difícil da minha vida, tanto que 15 minutos antes do cume, quando vi que realmente chegaríamos, desabei a chorar incontrolavelmente.


Alguma história interessante, curiosa e bizzara que aconteceu na trilha?
R: Tenho muitas, mas uma bem bizzara foi quando antes de sairmos para uma travessia, uma vidente religiosa nos disse que se fôssemos fazer a travessia, “um de nós retornaria em um caixão”. Falou pra mim e como estávamos somente em dois, não contei nada para o outro integrante, paguei para ver. Durante a caminhada foram acontecendo coisas incríveis, perdemos a trilha, perdemos equipamentos de sobrevivência, ameaçaram nos assaltar, queriam nos barrar o caminho, enfim vagamos por dois dias pelo mato, e quando estávamos quase terminando a caminhada, junto à uma tribo indígena, meu companheiro de aventuras, tropeçou e “ameaçou morrer na minha frente”. Pensei: pronto, a profecia se cumpriu. Resolvi então apertar o passo, deixando meu primo um pouquinho para trás. Foi quando de repente ouvi um grande barulho de alguém caindo no chão. Olhei para trás e o que eu vi me deixou paralisado, mal consegui mover as pernas, senti arrepios em todo o corpo. Vi meu primo caído no chão com as mãos na garganta sem poder respirar. Ele levantava e caia de novo. Apontava a mão para a cabeça e para a coluna, balançava os braços pedindo socorro. Sim, meu amigo estava morrendo na minha frente, e aparentemente sem que eu pudesse fazer nada. Mesmo conhecendo técnicas básicas de primeiros socorros. Na minha cabeça só um pensamento, a maldita profecia havia se cumprido. Eu estava pasmo, perplexo. Havíamos passado por tantos perigos, e a morte nos apanhara em um lugar onde nem uma criança seria capaz de se acidentar. Bom, no fim nada aconteceu, ninguém morreu coisa nenhuma, o aventureiro se levantou e seguimos enfrente.


Qual foi o melhor momento da sua vida?
R: Sempre vamos encontrar momentos bons e ruins nesta vida. O ano de 2014 foi um bom ano pra mim, conheci um monte de caras legais, do qual me tornei amigo, nesse ano consegui levar minha filha e minha mulher para conhecer outros países, já que sempre havia viajado sozinho para fora do Brasil.


No Brasil, quais são as trilhas e travessias que você ainda não fez e pretende fazer? E fora do país?
R: Meu, existe centenas de coisas que ainda não fiz, se dependesse de mim, toda semana estava na trilha. Existem trilhas clássicas que ainda não realizei no Brasil, mas é só questão de tempo, vou citar algumas aqui só para não passar em branco essa resposta, tem Prado x Porto Seguro-BA, Borda dos Cânions do Sul, Caparaó- MG/ES, Tabuleiro x Lapinha-MG. Poderia citar mais umas 50, fácil, fácil. Fora do Brasil poderia citar Torres Del Paine-Chile, Cordilheira Branca-Perú, subir o Aconcágua- Argentina, e por aí vai...


Creio que sua família deve ficar muito apreensiva cada vez que você parte para uma grande aventura nas montanhas. Como eles lidam com essa apreensão?
R: Minha mulher, antes da minha filha nascer, era do ramo, já passou poucas e boas ao meu lado, mas já faz uns 10 anos que se afastou das aventuras mais radicais. Minha filha nasceu praticamente dentro de uma barraca e já conhece mais ou menos como a coisa funciona. Quando comecei a fazer rapel e mostrava os vídeos para os meus pais eles se tremiam todo, até que um dia resolvi jogar o “véio e a véia” despenhadeiro abaixo, pendurados numa corda, aí as coisas começaram a melhorar. Hoje não tem mais jeito, eles já “entregaram pra Deus”, como diz minha mulher.


Você já fez trilhas e viagens com sua família, e com certeza pretende fazer mais. Qual é a dica que você pode dar para casais com filhos que queiram começar no mundo das trilhas?
R: Estou casado com a mesma mulher e primeira namorada há 25 anos, um sobrevivente. E Praticamente todos os meus parentes eu já enfiei em alguma furada. Fazer viagem com a família é uma coisa normal. Colocar uma barraca no carro, comida e sair sem rumo, sempre foram à tônica da minha vida. Também já fiz trilha com boa parte da família e não estou falando somente de mulher, filha, pai e mãe não, absolutamente quase todos os parentes mais próximo já me deram a honra de se lascar comigo em alguma trilha. A dica que eu dou para quem quer se enfiar nesse mundo sem volta é começar a levar os pequenos para acampar, isso vai despertar a curiosidade, vai fazer que perdesse o medo da natureza e comecem a pegar gosto pela aventura, e uma vez que isso aconteça, nunca mais poderão mais viver sem isso, porque a aventura é um “espírito” que te aliena, te desconcerta, ela te chama, ela te envolve de tal maneira que você não tem como escapar.



Quais sãos os problemas relacionados com a postura ambiental inadequada por parte de aventureiros, que tenha notado nas trilhas e travessias que fez?
R: São as atitudes de sempre, deixar lixo, cortar árvores para cozinhar, quando poderiam levar um fogareiro, defecar perto de fontes de água, não fechar as porteiras de propriedade por onde passam, não ter uma boa prosa com os nativos, etc... Mas felizmente isso acontece mais em áreas muito perto das cidades, onde alguns sobem uma montanha fácil só pra encher o rabo de cachaça e de maconha. Quando nos afastamos, felizmente nos vemos livres destes problemas porque o tipo de gente que frequenta estas trilhas longas, já mantém uma consciência ambiental diferenciada.



Quais são suas dicas pra quem quer começar no mundo do montanhismo e das trilhas, e quais equipamentos são realmente indispensáveis?
R: Comece fazendo coisas fáceis, trilhas de algumas horas e não mais que isso, vá acampar em lugares selvagens, em praias desertas, subir montanhas fáceis. Isso vai começar a lhe dar um condicionamento físico e vai lhe fazer acostumar com um ritmo constante para caminhar. Procure sair com um amigo que já conhece alguma coisa de trilha, não precisa ser um “expert” no assunto, apenas alguém que conheça lugares bacanas e que não terá nenhuma chance de se perderem. Quanto a equipamentos, isso é uma coisa mais complexa. Pra quem vai começar, basta uma mochilinha pequena, um tênis confortável, uma garrafa de água, um lanche de trilha, um agasalho extra, uma capa de chuva, uma faquinha e uma lanterna, já que o sujeito não vai se afastar muito da civilização. Aos poucos, quando ele for se soltando e já quiser passar uma noite no mato vai precisar de uma barraquinha pequena e leve, um saco de dormir, um isolante térmico, um fogareiro, comida e por aí vai. Agora se o cara já é um indivíduo experiente, nunca deve faltar estes itens básicos de sobrevivência, uma faca, um isqueiro, um cantil, uma bússola, mapa, um agasalho extra e o principal de todos os equipamentos: um grande plástico ou uma capa de chuva, ou até mesmo um grande saco de lixo, pra se enfiar dentro. A grande prioridade de uma pessoa perdida ou não no mato, é se manter aquecido e hidratado, o resto pode esperar, ninguém morre de fome se ficar uma semana sem comer, mas morre de hipotermia em uma noite ou desidratação em uns três dias.


Qual a mensagem que deixaria para os expedicionários e Niveiros?
R: Eu trocaria essa palavra “expedicionários” por excursionista, porque expedição realmente é para poucos e qualquer um com um mínimo de conhecimento pode sair a excursionar. A mensagem que eu deixaria pra essa gente é: meu, olha a sua volta, veja quanto lugar bacana há menos de 100 km da sua casa, dinheiro não é desculpa pra não sair para aventura. Não se prenda muito a equipamentos caros, use sua grana pra viajar e quando puder se equipe. Vejo muita gente pagando fortunas pra guias imprestáveis. Leia sobre o assunto, aprenda a usar uma bussola, saiba como funciona um mapa, a internet tá cheio de uma infinidade de relatos legais, de mapas fantásticos. Junte uns amigos e vá brincar no quintal de sua casa. E para os Niveiros eu acho que eles poderiam aprender muito com os caras das montanhas, das trilhas e aí eles poderiam juntar as duas coisas, a paixão pelo offroad e pela natureza. 



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