Pico das Agulhas Negras no Parque Nacional de Itatiaia- RJ/MG |
de um seleto grupo de montanhistas que transformou as travessias e trilhas das regiões sudeste, centro-oeste e sul do Brasil em quintal. Há quase duas décadas suas expedições foram a principal fonte motivacional para aventureiros iniciantes dessas regiões.
Confira a seguir o
bate-papo que tivemos com ele que já conheceu sete países, e doze estados
brasileiros, e nos mostra que seu espírito de aventura o levou a experiências
de offroad da grandeza do seu Lada Niva ano1991, e também nos passou um pouco
de sabedoria de vida falando sobre culturas, meio ambiente, montanhismo, rapel,
sobrevivência na Selva, trekking, excursionismo e muito mais.
Qual
o seu nome?
Machu Picchu |
R:
Divanei Goes de Paula
R:
A mãe da gente coloca um nome feio, aí vem o mundo e esculhamba com um monte de
apelidos. Minha família e amigos de infância me chamam de “Vanei”, minha mulher
me chama de “Di”, no trabalho me chamam de “Didi”, de “Diva”, na verdade não
gosto de nenhum deles.
Qual
a sua idade?
R:
45 anos é minha idade cronológica, acho que biológica uns 35 e a mental vou
deixar para os meus amigos responderem.
Qual
a Naturaridade do Niveiro aventureiro e onde mora?
R:
sou natural de Paranapuã-SP, uma minúscula cidade de uns 4.000 habitantes no
noroeste Paulista, na divisa com os Estados de Minas Gerais e Mato Grosso do
Sul, bem na foz do Rio Grande. Moro em Sumaré-SP, uma cidade média na região
metropolitana de Campinas, já há 35 anos.
R:
Eu queria ter a espiritualidade que os meus parentes e alguns amigos esperam
que tenha, mas infelizmente não tenho. Há muito tempo estou convicto que as
religiões só agregam seus pares e acabam sendo uma fonte de segregação. Se eu
disser aqui que sou umbandista, provavelmente muita gente nem iria continuar
lendo essa entrevista até o final. E além do mais, ainda não me convenci que do
outro lado desta vida tem um Paraíso ou um inferno me esperando. Por isso
quando monto ou organizo alguma expedição, travessia, caminhada, nunca, jamais
pergunto ou me importa que religião tenha o sujeito, que partido político ele
defende ou que opção sexual escolheu pra sua vida.
R:
Meu Niva é do ano de 1.991, e é bem conservado. Seu motor é original 1.6, nunca foi mexido.
R:
Quase nenhuma, praticamente um original. Retrovisor, acho que volante e essas
coisinhas pequenas como reservatório de água do para-brisa, reservatório do
fluido de freio e os pneus, é claro.
Quando
e como você começou a praticar offroad?
R:
Na verdade eu já destruía os carros da família nas trilhas para as praias
desertas, cachoeiras, montanhas e para chegar às trilhas diversas, aí para
passar de vez para o offroad, foi um pulo. Em 2.000 comprei o NIVA.
Por
que escolheu o Lada Niva para parceiro em suas aventuras?
R:
Na verdade há muito tempo eu pensava em comprar um carro offroad, mas meu
dinheiro de rapaz trabalhador não dava pra pagar uma “fortuna” nestes
esportivos. Sempre ouvia uns “Zé Ruelas” dizer que NIVA não prestava, não tinha
peças e essas bobagens, aí fui pesquisar e conversar com outros niveiros, que
me convenceram que era uma boa escolha. E aí, em um dia qualquer do ano 2.000,
estava eu passando em Nova Veneza, um distrito de Sumaré e avistei um Niva
impecável estacionado numa revendedora de carros usados. Entrei, olhei, comprei
e foi amor à primeira vista.
Que
equipamentos e acessórios fazem parte deste seu Lada Niva?
R:
Não muitos. Estribo, bagageiro de teto, engate de carretinha, quebra mato, um
GPS, radio e o mais importante de todos os acessórios, meus adesivos de alguns
lugares que visitei, no Brasil e em países na América do Sul.
Entre Caiapônia-GO, Paraúna-GO e Costa Rica-MS |
R:
Tenho um carro popular que é usado pela minha esposa e o NIVA fica mesmo para o
que mais importa na vida, o ócio, o lazer e a aventura.
Qual
o nome do seu Niva?
R:
Muito legal esse negócio de nome, batismo, me divirto muito com os nomes que os
caras colocam, mas o meu ainda não tem, preciso escolher um.
Chapada dos Veadeiros-GO |
R:
Já estou com o meu há 15 anos. Minha mulher às vezes reclama e diz que
deveríamos comprar um 4x4 mais rápido e mais econômico, mas na hora que estamos
no meio do nada e aparece aquele atoleiro ou aquele rio no meio do caminho, ela
fica feliz por não estarmos com o carro de passeio dela. Na verdade o Niva nos
tira da mediocridade das cidades e nos levas para infinitos lugares de
aventuras e deslumbramentos.
R:
Adoro o formato e cara de fora de estrada, adoro o fato de poder ir aonde
poucos conseguem chegar e apesar de ser um fora de estrada é muito confortável.
Não gosto do alto consumo de combustível e gostaria que ele fosse um pouco mais
rápido no asfalto.
Você
faria alguma melhoraria no seu Niva?
Parque Estadual de Terra Ronca |
R:
Já pensei em instalar gás natural, mas desisti. Gostaria de colocar uma ignição
eletrônica, talvez um guincho, acho que tá bom como está, só preciso me dedicar
mais nas manutenções preventivas.
...de carona de trem pela Serra do Mar... |
R:
Na verdade por causa desse amor aos esportes de natureza, montanhismo,
trekking, excursionismo, viagens a paraísos naturais, acabo usando mais o Niva
em função disso. Então as grandes trilhas tem sempre um grande objetivo, que é
chegar a cachoeiras perdidas, rios isolados, montanhas de acesso difícil,
etc... Posso citar caminhos para Serra da Canastra, Ilha Bela, Parque Nacional
das Emas, e inúmeras cachoeiras do litoral Paulista.
R:
Somente grupos virtuais mesmo, até que gostaria, mas em função de morar aqui no
interior de São Paulo, quase fico sem opção e além do mais, nos últimos anos
estou meio preso as expedições, que acaba por tomar todo o meu tempo.
R:
A maior distância foi em 2014 quando botei o saco de dormir, a barraca, comida
e uma infinidade de outras coisas e saí pelo centro-oeste do país com minha
filha e minha mulher, voltando somente um mês depois. Rodamos quase 6.000 km ao
todo, numa viagem alucinante e inesquecível.
Seu
Niva já te ensinou algo de mecânica?
R:
Quem tem um Niva sempre tem algo à aprender. Tudo que eu sei devo ao russsinho.
R:
Acho difícil o Niva voltar e se voltar deve vir com uma carga de impostos
gigantescas, que o inviabilizaria por causa do alto preço. Veja só, por mais
que a gente goste do carrinho, não podemos nos enganar, poucos estariam dispostos
a pagar 50 ou 60 mil nele. Se ele custasse o mesmo que um carro popular,
compraria sem problemas, porque sei que esse viria com uma tecnologia bem
desenvolvida.
Quando
o Niveiro se iniciou no montanhismo?
R:
Sou de uma geração que desde cedo já foi acostumada a caminhar e a fazer
esportes. Tudo era longe e sem recursos, sem transportes. Enfiávamo-nos no
mato, nadávamos em lagoas, subíamos em árvores, descobríamos novos rios e o
seguíamos por um dia inteiro só pra ver onde ele iria dar. Aí quando a gente
cresceu, e tudo de natureza que havia ao nosso redor desapareceu, ficamos
órfãos de aventuras. Certo dia um amigo me convidou para visitar uma cachoeira
na Serra do Mar. Pegamos nossas mochilas velhas, uns cobertores, umas redes, um
plástico preto e picamos a mula pra lá. Foi nesse dia que me apaixonei e me
perdi na vida de aventuras, de lá para o montanhismo também foi um pulo.
O
que motivou a fazer a primeira travessia?
R:
Primeiro preciso explicar o que realmente é fazer uma Travessia. No começo,
quando começamos a nos enfiar nesse mundo de aventuras, fazemos trilhas curtas
que nos levam a cachoeiras, a rios cristalinos, a lugares mais distantes no
meio das florestas. Tudo acontece aos poucos e em um processo lento que acaba
levando anos. Aí quando nos sentimos mais seguros, já começamos a ir para esses
mesmo lugares, só que agora para passar a noite lá, com rede, com barraca. Às
vezes fazemos o que chamamos de bate e volta, saímos bem cedo, vamos a um
lugar, uma cachoeira, uma pequena montanha e voltamos no mesmo dia, geralmente
pela mesma trilha. Passeios lindos, mas com poucos desafios. Somente depois
quando já estamos seguros e já aprendemos os rudimentos básicos das caminhadas,
partimos para as Travessias. Uma travessia é basicamente sair de um ponto
qualquer, atravessar uma área selvagem, um caminho no meio da natureza,
cruzando montanhas, e todo tipo de terreno, com o objetivo de chegar a outro
ponto, de preferência mais perto da civilização, onde a gente possa conseguir
um transporte que nos leve de volta para casa. Mas respondendo à pergunta, o que
me motivou a começar a fazer essas travessias foi a curiosidade de saber o que
continha entre uma montanha e outra. Eu subia uma montanha geralmente perto da
civilização e avistava uma cadeia gigantesca de outras montanhas e grandes
vales e lá de cima me perguntava o que teria naquele mundo selvagem. Aí um dia
tomei coragem, botei a mochila nas costas e nunca mais parei.
Qual
foi a maior frustação em uma expedição?
R:
Olha, todo montanhista, excursionista, amante das caminhadas e das grandes
expedições coleciona frustrações e fracassos na vida e comigo não foi
diferente. Apesar de ser meio parecido com um “chassis de frango”, sou um cara
duro de desistir das coisas, para eu desistir, a coisa já chegou num tal ponto
em que a aventura já se tornou mesmo impossível. Na maioria das vezes a gente não
está sozinho, existem outras pessoas que talvez não tenha o mesmo preparo físico
ou a mesma gana de seguir em frente, mesmo diante de situações que ainda estão
sob controle. E por muitas vezes tive que dar meia volta, enfiar o rabinho
entre as pernas e voltar para casa e digerir o fracasso. Faz parte. Uma vez
estávamos tentando acessar o centro do Parque Nacional de Itatiaia por uma
trilha praticamente desconhecida. Caminhamos por duas horas e meu parceiro de
aventura, que na época estava muito acima do peso, começou a ter câimbras até
na língua e pra piorar mais à frente a trilha se fechou num emaranhado de
taquaruçus, e nos vimos meio perdidos. Era uma época com poucos recursos, sem
internet como hoje, sem mapas de satélites, sem nada. Então resolvi meter a
cara e varar mato no rumo até atingirmos a montanha mais acima, quando começou
a chover. Meu amigo não teve duvidas, abortou a travessia e pediu para
voltarmos imediatamente. Não pude fazer mais nada, guardei minha bússola e
fiquei muito puto com ele, mas não disse nada até hoje. A amizade continuou tão
forte como sempre foi, mas aquela foi a ultima travessia que fizemos juntos.
Quais
foram suas maiores dificuldades encontrada durante uma travessia?
R:
Dificuldades sempre encontramos, hoje um pouco menos por causa das tecnologias
e os bons mapas, mas antigamente tudo era feito na raça. Nos lugares distantes,
nem acesso as cartas topográficas tínhamos. Ficávamos sabendo onde era o começo
das travessias, líamos três parágrafos que descreviam as caminhadas e metíamos
a cara. Mas uma coisa que dificulta muito é uma virada de tempo repentina, onde
pequenos riachos se transformam e rios caudalosos, como em 1.996. Estávamos
atravessando a Casa de Pedra no PETAR (Parque Turístico do Alto Ribeira), que é
a caverna com a maior boca do mundo e ficamos preso por causa de uma cabeça d’água,
eu, minha mulher e mais dois amigos quase morremos naquele dia, isso foi logo
no começo das nossas vidas de aventuras. Foi um trauma que perdurou por muito
tempo na cabeça de alguns.
Quais
foram suas maiores conquistas?
R:
Sinceramente, não tenho nenhuma grande conquista para relatar. Nunca subi o
Everest, nunca subi o Aconcágua. Não sou o Amir Klinc, não sou o Niclevics.
Minha maior conquista foi a de conseguir sair de uma vida muito pobre na
infância e poder um dia me sentar em lugares como Macchu Pichu, Deserto do
Atacama, Salar de Uyuni, Lago Titicaca, Patagonia, e tantos outros lugares
incríveis da América do Sul e do Brasil. Sentar-me e olhar aquelas maravilhas e
poder dizer: “Caramba cara! Olha isso, olha que beleza, olha que espetáculo,
veja onde a força do seu trabalho e a coragem de abandonar e se jogar sozinho
num mundo que você só viu nos livros de história, veio lhe trazer”. Já percorri
boa parte das travessias clássicas de boa parte do Brasil, já subi montanhas e vulcões
nevados de quase 6.000 metros de altura nos cafundós da América do Sul, mas se
tivesse que citar alguma coisa de conquista, citaria as últimas expedições pela
Serra do Mar Paulista que estamos realizando. Estamos indo a lugares que
ninguém nunca nos disse como chegar, como atravessar gargantas gigantescas e
cânions descomunais, lugares que possivelmente recebeu menos gente que o solo
lunar. Desenvolvemos técnicas de descidas sem usar corda alguma e estamos
fazendo coisas que muita gente com muito mais experiência que nós, nunca
tentou.
R:
Pra falar a verdade o futuro para mim já chegou. Tenho 45 anos de idade e não
fico mais pensando em conquistas materiais e ou profissionais. Espero somente
que minha filha se encaminhe bem na vida. Agora deixo as coisas irem
acontecendo naturalmente na minha vida. Espero poder me manter sempre ativo
nesses anos de vida que me restam, às vezes brinco e falo que vou me aposentar
das aventuras, mas quando vejo meninos com a metade da minha idade se
arrastando atrás de mim, consigo ver que ainda vou muito longe. Ainda tenho uma
grande vontade de fazer uma grande viagem de NIVA por todos os países da
América do Sul por uns três meses. Bom, o NIVA eu já tenho, os três meses de
licença premio também, mas falta o mais difícil, conseguir convencer minha
mulher e minha filha a embarcar nessa aventura por um mundo de aventura e autoconhecimento.
R:
Claro que só poderia ser as grandes paisagens e alguns amigos que acabei
fazendo por lá. Para um brasileiro as paisagens, principalmente na Cordilheira
dos Andes é algo arrebatador. Sentar-se em uma grande pedra e apreciar a vista
de Macchu Pichu, ou os Geiseres de El Tátio, no Atacama, a vista de cima do
Sajama, a maior montanha da Bolívia, os salares, as geleiras, os lagos
altiplânicos, as cidades do império Inca, as lhamas, as vicunhas, as alpacas,
tudo é um mundo de encanto e de sonhos.
O que mais lhe chama a atenção quando se fala em diferenças culturais nos diversos países que conheceu?
R:
Sim, os países são muito diferentes. Quando você sai da Bolívia ou da Argentina
e vai para o Chile, parece que lá se fala outra língua e não o Espanhol. Demora
pra você se acostumar com sonoridade. Falando em Chile, me surpreende a
educação deste povo, comparado ao Chile, o Brasil é um país esculhanbado, lá
tudo parece funcionar, dá inveja de ver. Mas nada, nada mesmo se compara em
diferenças culturais quando se fala da Bolívia. Muita gente odeia a Bolívia,
mas em nenhum outro lugar na América do Sul você verá tamanha diferença. As
pessoas, as roupas, as comidas, o transporte. Você senta em uma Praça de La Paz
e se imagina em outro planeta. Eu amo a Bolívia, talvez seja porque eu seja
apaixonado por coisas diferentes e culturas exóticas. O Peru também está na
mesma categoria da Bolívia, principalmente quando se trata de cidades na
cordilheira. Nestes dois países, ser muito gorda é sinal de extrema beleza, o
que quebra o paradigma e a ditadura da beleza magra.
Quais
os principais cursos que fez para se profissionalizar em expedicionário?
R:
Nunca fiz curso algum, tudo que aprendi foi pesquisando muito e me lascando na
natureza e aprendendo do modo mais duro possível. Na época que começamos íamos
para o mato e quando uma coisa dava errada, aprendíamos e não voltávamos a
repetir a mesma burrada de antes. Hoje temos a internet e todo mundo aprende
rápido as técnicas de caminhada e excursionismo. Com o avanço das redes
sociais, quem não sabe nada pode se juntar aos que sabem e sair sem medo, hoje
as coisas estão muito mais fáceis. Você compra um GPS por uma mixaria, coloca a
trilha nele e já sai caminhando. Você vai à net imprime um monte de relatos
excelentes, imprime um milhão de mapas, compra equipamentos de primeira linha e
vai se divertir. Eu aprendi a fazer rapel com umas cordas toscas e cadeirinhas
costuradas a partir de cinto de segurança velho. Mas os cursos estão aí
espalhados por tudo quanto é canto e eu aconselho a fazerem se puderem,
conhecimento nunca é de mais.
R:
Quando fecho a porta atrás de mim, não sou mais eu. Sou outrem travestido de
mim mesmo. O pai de família, o filho, o empregado certinho, se transforma em
outra pessoa. Alguém que não está nem aí pra coisa nenhuma. Boto minha mochila
nas costas, pego meu bastão de caminhada e viro cidadão do mundo. Isso é que é
o legal, a gente se transforma e perdemos todos os rótulos que a sociedade nos
deu, sem que pedíssemos. Nas montanhas o pião de obra e o gerente de empresa
são a mesma coisa. Não importa se você tem dinheiro a dar com pau, se quiser
comer vai ter que descer aquele barranco e lavar a louça do grupo, vai ter que
dar seu ombro para aquele macumbeiro pisar, vai ter que pegar na mão daquele
ateu, vai ter que dividir a sua barraca com o judeu ou sua comida com o homossexual
e isso não vai fazer diferença nenhuma, porque ali vocês são um grupo, são
companheiros de aventuras e todos dependem de todos. No fim todos vão se
abraçar e vão descobrir que todas essas diferenças são uma tremenda de uma
bobagem.
Você
projeta atravessar um deserto?
R:
Quando se fala em Desertos já vem à mente das pessoas um lugar seco, quente,
cheio de dunas de areia e quase sem vida. Quando você vai ao Atacama, tudo isso
cair por terra. Gostaria muito de atravessa-lo de um lado à outro, de NIVA, a
pé, montado numa lhama, sei lá, de qualquer jeito.
De
todos os lugares que visitou, qual foi o mais bonito?
R:
Cara, aí você pegou pesado. É o mesmo de você pedir para eu escolher qual filho
eu quero sacrificar. São lugares diferentes. O litoral Norte de São Paulo e Sul
do Rio pra mim é um dos mais bonitos do mundo por conter uma das florestas mais
exuberantes do planeta. A Chapada Diamantina na Bahia é a síntese da beleza
deste país, tem de tudo, só faltou mar, mas aí já é covardia. As cavernas de Terra
Ronca em Goiás e as do PETAR em São Paulo são deslumbrantes. Os cânions do Sul,
as Cataratas do Iguaçu, o Pantanal, e se eu for citar as montanhas da
Mantiqueira, vai faltar espaço aqui. Todas as paisagens da cordilheira dos
Andes com seus vulcões, geleiras, desertos, salares, lagos, gêiseres, tudo é
fascinante e deslumbrante, por isso essa pergunta vai ficar sem resposta.
R:
Como eu disse, não sou especialista em alta montanha, montanhas geladas e em
grandes altitudes, e ar rarefeito, tudo depende de uma série de fatores,
principalmente do clima. Atravessar uma
Serra Fina debaixo de chuva no inverno não é pra qualquer um não, mas com sol
já se torna uma caminhada não tão difícil assim. Tudo vai depender do tempo que
você tem para fazer uma subida e as situações que envolvem essa subida. Não sou
escalador, nunca fui. Minha paixão é a subida clássica. Acabei de voltar do
Chile onde subi com minha filha de 14 anos o vulcão Villarica. Um vulcão ativo
e entupido de neve, mesmo no verão. É uma montanha não muito difícil de subir,
mas com um desnível de 1.400 metros pra subir e descer no mesmo dia, o que não
é pouco para uma montanha com gelo. Além de carregar a minha mochila e a dela,
ainda tive que conviver com a pressão psicológica de um guia obrigatório, que a
todo o momento queria nos excluir da expedição se não nos mantivéssemos junto
ao grupo principal. Aí em certa altura minha filha começou a ter dores
horríveis e eu ficava sempre com aquele sentimento terrível de ter que desistir
por causa dela. Eu sempre ia dizendo pra ela não desistir, aguentar um pouco
mais. No fim, chegamos ao cume, mas foi sem duvida a situação mais difícil da
minha vida, tanto que 15 minutos antes do cume, quando vi que realmente chegaríamos,
desabei a chorar incontrolavelmente.
Alguma
história interessante, curiosa e bizzara que aconteceu na trilha?
R:
Tenho muitas, mas uma bem bizzara foi quando antes de sairmos para uma
travessia, uma vidente religiosa nos disse que se fôssemos fazer a travessia, “um
de nós retornaria em um caixão”. Falou pra mim e como estávamos somente em
dois, não contei nada para o outro integrante, paguei para ver. Durante a
caminhada foram acontecendo coisas incríveis, perdemos a trilha, perdemos equipamentos
de sobrevivência, ameaçaram nos assaltar, queriam nos barrar o caminho, enfim
vagamos por dois dias pelo mato, e quando estávamos quase terminando a
caminhada, junto à uma tribo indígena, meu companheiro de aventuras, tropeçou e
“ameaçou morrer na minha frente”. Pensei: pronto, a profecia se cumpriu. Resolvi
então apertar o passo, deixando meu primo um pouquinho para trás. Foi quando de
repente ouvi um grande barulho de alguém caindo no chão. Olhei para trás e o que
eu vi me deixou paralisado, mal consegui mover as pernas, senti arrepios em todo
o corpo. Vi meu primo caído no chão com as mãos na garganta sem poder respirar.
Ele levantava e caia de novo. Apontava a mão para a cabeça e para a coluna,
balançava os braços pedindo socorro. Sim, meu amigo estava morrendo na minha
frente, e aparentemente sem que eu pudesse fazer nada. Mesmo conhecendo
técnicas básicas de primeiros socorros. Na minha cabeça só um pensamento, a
maldita profecia havia se cumprido. Eu estava pasmo, perplexo. Havíamos passado
por tantos perigos, e a morte nos apanhara em um lugar onde nem uma criança
seria capaz de se acidentar. Bom, no fim nada aconteceu, ninguém morreu coisa
nenhuma, o aventureiro se levantou e seguimos enfrente.
Qual
foi o melhor momento da sua vida?
R:
Sempre vamos encontrar momentos bons e ruins nesta vida. O ano de 2014 foi um
bom ano pra mim, conheci um monte de caras legais, do qual me tornei amigo, nesse
ano consegui levar minha filha e minha mulher para conhecer outros países, já
que sempre havia viajado sozinho para fora do Brasil.
No
Brasil, quais são as trilhas e travessias que você ainda não fez e pretende
fazer? E fora do país?
R:
Meu, existe centenas de coisas que ainda não fiz, se dependesse de mim, toda
semana estava na trilha. Existem trilhas clássicas que ainda não realizei no
Brasil, mas é só questão de tempo, vou citar algumas aqui só para não passar em
branco essa resposta, tem Prado x Porto Seguro-BA, Borda dos Cânions do Sul,
Caparaó- MG/ES, Tabuleiro x Lapinha-MG. Poderia citar mais umas 50, fácil,
fácil. Fora do Brasil poderia citar Torres Del Paine-Chile, Cordilheira
Branca-Perú, subir o Aconcágua- Argentina, e por aí vai...
Creio
que sua família deve ficar muito apreensiva cada vez que você parte para uma
grande aventura nas montanhas. Como eles lidam com essa apreensão?
R:
Minha mulher, antes da minha filha nascer, era do ramo, já passou poucas e boas
ao meu lado, mas já faz uns 10 anos que se afastou das aventuras mais radicais.
Minha filha nasceu praticamente dentro de uma barraca e já conhece mais ou
menos como a coisa funciona. Quando comecei a fazer rapel e mostrava os vídeos
para os meus pais eles se tremiam todo, até que um dia resolvi jogar o “véio e
a véia” despenhadeiro abaixo, pendurados numa corda, aí as coisas começaram a
melhorar. Hoje não tem mais jeito, eles já “entregaram pra Deus”, como diz
minha mulher.
Você já fez trilhas e viagens com sua família, e com certeza pretende fazer mais. Qual é a dica que você pode dar para casais com filhos que queiram começar no mundo das trilhas?
R:
Estou casado com a mesma mulher e primeira namorada há 25 anos, um
sobrevivente. E Praticamente todos os meus parentes eu já enfiei em alguma
furada. Fazer viagem com a família é uma coisa normal. Colocar uma barraca no
carro, comida e sair sem rumo, sempre foram à tônica da minha vida. Também já
fiz trilha com boa parte da família e não estou falando somente de mulher,
filha, pai e mãe não, absolutamente quase todos os parentes mais próximo já me
deram a honra de se lascar comigo em alguma trilha. A dica que eu dou para quem
quer se enfiar nesse mundo sem volta é começar a levar os pequenos para
acampar, isso vai despertar a curiosidade, vai fazer que perdesse o medo da
natureza e comecem a pegar gosto pela aventura, e uma vez que isso aconteça,
nunca mais poderão mais viver sem isso, porque a aventura é um “espírito” que
te aliena, te desconcerta, ela te chama, ela te envolve de tal maneira que você
não tem como escapar.
Quais
sãos os problemas relacionados com a postura ambiental inadequada por parte de
aventureiros, que tenha notado nas trilhas e travessias que fez?
R:
São as atitudes de sempre, deixar lixo, cortar árvores para cozinhar, quando
poderiam levar um fogareiro, defecar perto de fontes de água, não fechar as
porteiras de propriedade por onde passam, não ter uma boa prosa com os nativos,
etc... Mas felizmente isso acontece mais em áreas muito perto das cidades, onde
alguns sobem uma montanha fácil só pra encher o rabo de cachaça e de maconha.
Quando nos afastamos, felizmente nos vemos livres destes problemas porque o
tipo de gente que frequenta estas trilhas longas, já mantém uma consciência
ambiental diferenciada.
Quais
são suas dicas pra quem quer começar no mundo do montanhismo e das trilhas, e
quais equipamentos são realmente indispensáveis?
R:
Comece fazendo coisas fáceis, trilhas de algumas horas e não mais que isso, vá
acampar em lugares selvagens, em praias desertas, subir montanhas fáceis. Isso
vai começar a lhe dar um condicionamento físico e vai lhe fazer acostumar com
um ritmo constante para caminhar. Procure sair com um amigo que já conhece
alguma coisa de trilha, não precisa ser um “expert” no assunto, apenas alguém
que conheça lugares bacanas e que não terá nenhuma chance de se perderem.
Quanto a equipamentos, isso é uma coisa mais complexa. Pra quem vai começar,
basta uma mochilinha pequena, um tênis confortável, uma garrafa de água, um
lanche de trilha, um agasalho extra, uma capa de chuva, uma faquinha e uma
lanterna, já que o sujeito não vai se afastar muito da civilização. Aos poucos,
quando ele for se soltando e já quiser passar uma noite no mato vai precisar de
uma barraquinha pequena e leve, um saco de dormir, um isolante térmico, um
fogareiro, comida e por aí vai. Agora se o cara já é um indivíduo experiente,
nunca deve faltar estes itens básicos de sobrevivência, uma faca, um isqueiro,
um cantil, uma bússola, mapa, um agasalho extra e o principal de todos os
equipamentos: um grande plástico ou uma capa de chuva, ou até mesmo um grande
saco de lixo, pra se enfiar dentro. A grande prioridade de uma pessoa perdida
ou não no mato, é se manter aquecido e hidratado, o resto pode esperar, ninguém
morre de fome se ficar uma semana sem comer, mas morre de hipotermia em uma
noite ou desidratação em uns três dias.
R:
Eu trocaria essa palavra “expedicionários” por excursionista, porque expedição
realmente é para poucos e qualquer um com um mínimo de conhecimento pode sair a
excursionar. A mensagem que eu deixaria pra essa gente é: meu, olha a sua
volta, veja quanto lugar bacana há menos de 100 km da sua casa, dinheiro não é
desculpa pra não sair para aventura. Não se prenda muito a equipamentos caros,
use sua grana pra viajar e quando puder se equipe. Vejo muita gente pagando
fortunas pra guias imprestáveis. Leia sobre o assunto, aprenda a usar uma
bussola, saiba como funciona um mapa, a internet tá cheio de uma infinidade de
relatos legais, de mapas fantásticos. Junte uns amigos e vá brincar no quintal
de sua casa. E para os Niveiros eu acho que eles poderiam aprender muito com os
caras das montanhas, das trilhas e aí eles poderiam juntar as duas coisas, a
paixão pelo offroad e pela natureza.
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